Brindes Invisíveis: O Jovem e a Arte de Celebrar Tudo (Até o que Não Existe)

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Era sábado à tarde, e o apito final do jogo ecoou como uma sinfonia para Bruno. Seu time, um eterno underdog, havia vencido após dez anos de jejum. Em minutos, sua sala de apartamento transformou-se em um camarote improvisado: cerveja espumou, amigos gritaram, e ele — ele era o maestro daquela orgia de alegria desmedida. “É justo!”, argumentava, erguendo a latinha. “Histórico! Uma vez na vida!”. A vitória do time, claro, era apenas a desculpa. O álcool, o verdadeiro herói invisível.

Duas semanas depois, a série que maratonou por meses chegava ao fim. O protagonista sobreviveu, o vilão foi derrotado, e o mundo ficou salvo. Bruno, sozinho no sofá, abriu uma garrafa de vinho barato. “Para celebrar o fechamento da saga!”, postou no Instagram, com uma foto do copo cheio e a tv de fundo. Os likes choveram. Ninguém questionou. Afinal, quem nunca brindou por uma ficção?

E então veio o ápice: o aniversário do seu ídolo virtual, um streamer que ele nunca encontraria na vida real. Mas havia um live especial, com direito a sorteio e memes exclusivos. Bruno comprou uma vodka caríssima — “ele merece, fez meu ano melhor” — e bebeu sozinho, enquanto digitava comentários eufóricos no chat. A tela brilhava; sua casa, silenciava.

Bruno não é um alcoólatra. É um mestre na arte da justificativa. Ele não bebe por vício: bebe por ritual. Cada data, real ou inventada, é um convite para um brinde. A vitória esportiva? Clássica, socialmente aceita. O final de série? Um luto disfarçado de celebração — afinal, acaba uma parte da rotina. O aniversário de um desconhecido digital? A solidão que se veste de comunidade.

Nessa crônica, não há vilões. Há uma cultura que normaliza o álcool como muleta da felicidade. Celebra-se tudo, até o que não se compreende. E no final, sempre sobra a pergunta: o que Bruno está realmente comemorando? A vitória do time ou a permissão para embriagar-se? O streamer ou a desculpa para não encarar o vazio?

Os fins “felizes” se sucedem: o time ganhou, a série terminou bem, o ídolo agradeceu no live. Bruno dorme satisfeito. No dia seguinte, acorda com ressaca — e a mente already buscando a próxima data no calendário. O aniversário da prima distante? O lançamento de um jogo? Tudo serve.

Enquanto isso, a vida real espera sua vez. Sem copos, sem hashtags, sem justificativas.

  • Silene Borges 
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